terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A porta aberta, o cobertor e o livro

Toda noite, a porta do quarto ficava trancada. Quando esqueciam de fechá-la, eu não perdia a oportunidade. Entrava. Dormia na beirada. E incomodava meus pobres pais. Tudo era melhor que meu quarto sombrio e os barulhos da noite. A cada cric e crec, meu coração infantil acelerava. Um passo, um ronco alto e um ranger de porta viravam o fantasma sangrento do último filme de terror assistido. E eu lá, deitada, sem abrigo.

Passei a não contar com a porta aberta. Apelei pro cobertor de flanela. Debaixo dele, espiando por uma fresta, me achava menos exposta ao perigo. No inverno não era problema, mas e no verão? Insuportável. Cansei do calor e comecei a ler antes de dormir. O segredo era ler algo muito bom, pra não prestar atenção aos barulhos minúsculos que me deixavam crédula para todas as criaturas fantásticas malignas. Como nem todos os livros são bons, as noites seguiam mal dormidas.

Mas parei de contar com a porta aberta, o cobertor e o livro. Eles vinham de fora e o problema estava dentro. Passei, então, a contar só comigo. Sem subterfúgios pra fugir deles, os espíritos não viram mais graça em me procurar. E a noite ficou vazia de barulhos. E cheia de sonhos.

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